Acabei de ver por aí na internet um daqueles anúncios com carta de condução em promoção: "Carta de ligeiros (categoria B) por apenas 325€, com tudo incluído". Parece que a culpa é do Verão, e por isso têm de baixar os preços. E ao que parece a única coisa que baixa é apenas o preço, pois a qualidade mantém-se.
Infelizmente é uma prática comum a muitas escolas, pelo menos aqui pela grande Lisboa.
Não foi ainda há muito tempo atrás que vi-me obrigado a sair de onde trabalhava para juntar-me temporariamente a tantos desempregados que andam por aí. Disseram-me que se quisesse continuar na Escola precisava de rasgar o contrato e começar a passar a recibos verdes. Só não caí da cadeira porque já tinha sido avisado pelos meus queridos colegas.
Em conjunto acordámos que ninguém aceitaria essas condições, pois pensámos que assim a Escola não teria outro remédio se não o de voltar com a palavra atrás. Pois bem, quem voltou com a palavra atrás foram os meus colegas que se acobardaram e aceitaram as condições da Escola. Não caí da cadeira porque não estava sentado, e também por não ser a primeira vez que sou atraiçoado desta forma.
As coisas aconteceram aos poucos. Primeiro um aceitou. Depois marcámos um almoço para perceber a situação. Durante o almoço o suposto traidor foi o alvo das críticas. Apesar de tudo aguentou-se bem. Já deve estar habituado. Ele próprio disse que já lhe tinham feito o mesmo (serve sempre de desculpa). Além disso, como estava a receber o subsídio de desemprego de Espanha, não lhe causava grande transtorno. Eu ouvi, observei, falei pouco e tirei as minhas conclusões. É engraçado que um de nós, foi o mais crítico de todos. Disse tudo o que o outro queria e não queria ouvir. Passado uns tempos de ter saído da Escola, liguei para esse colega e para meu espanto fiquei a saber que também tinha aceite passar recibos verdes. Nem sei como adjetivar o que sinto.
Desejo-lhes as maiores felicidades, mas acho que mais tarde ou mais cedo, se a coisa não melhorar, a Escola vai-lhes informar que tem de baixar o preço da hora, e se quiserem terá de ser assim. Quanto mais nos abaixamos....
Não acredito que muitos alunos lerão este desabafo até ao fim, e daqui a algum tempo perder-se-á no meio dos muitos posts. Será que ninguém se pergunta, porquê que os combustíveis estão mais caros, mas os preços das cartas sempre mais baixos? De certeza que a culpa não é deste calor insuportável que não me deixa dormir.
Quando tirei a carta, há uns quinze anos atrás, paguei 120 contos na moeda antiga, que são mais ou menos 600€. Achei que era um valor justo.
Percebo que com esta crise, e com excesso de oferta face à procura, é mais do que normal que os preços baixem. É a lei da oferta e da procura. Eu também gostava de ter tirado a carta por apenas 300 e poucos euros. No entanto, é também um engano, pois quantos não reprovam uma e mais vezes e acabam por pagar uma pequena fortuna.
Carta a 300€ é o preço de montra. Se reprovarem (só uma vez), pagarão quase duas cartas. Ou seja, quem reprova é quem acaba por dar um jeitinho nas contas da Escola. Mas os alunos também não poderão levar a mal, com um preço tão baixo tinha de haver uma marosca...
Se eu tivesse alguma influência nas esferas superiores, acabaria com este e outros problemas das Escolas de Condução. Estive em Inglaterra há algum tempo atrás e achei o negócio do ensino da condução muito mais simples. Para se ensinar não é necessário uma escola. Pode-se ensinar particularmente. As aulas de código estudam-se em casa. Os testes são muito mais eficientes, muito mais que os que nós usamos cá. Um instrutor, paga um valor anual ao estado, e pode comprar o seu carro e ensinar no seu próprio automóvel. Tem de encontrar os seus clientes, mas isso é o que todas as escolas fazem.
O sistema atual mata o negócio. As escolas são obrigadas a pagar 1 renda para ter um espaço aberto, onde atendem ao público e supostamente devem ensinar. Os valores da renda, água, luz, pessoal e outros valores são desperdícios que fazem as escolas andar sempre com a corda na garganta.
Como isto anda assim, há cada vez mais Instrutores em Promoção. Depois, todos os anos há mais instrutores a serem formados, prontos para entrarem na roda, dispostos a aceitarem o que tiverem para lhes oferecer, substituindo aqueles que não vergam como eu.
Por mais que goste de ensinar, enquanto isto não mudar, vejo-me eu obrigado a mudar de rumo. Continuarei a ensinar, mas apenas o código e particularmente.
Nunca cheguei a perceber porquê que não há um sindicato de instrutores, e porquê que são as Associações, as proprietárias dos centros de exame que fazem os contratos coletivos de trabalho. Não é suposto que quem faz os contratos coletivos de trabalho, esteja do lado dos trabalhadores, protegendo os seus interesses? Como é isso possível, quando atualmente as Associações que supostamente defenderiam os interesses dos trabalhadores defendem também os interesses das escolas, pois são estas os membros das próprias associações. É ridículo, mas é verdade. Se houver por aí instrutores dispostos a resolver este problema, digam-me que eu prontamente me juntarei a vocês. No entanto, se todos aceitarem trabalhar a recibos verdes, deixa de fazer sentido.
Pronto, já está. Desabafei.